Apresentamos agora um singular poeta brasileiro: Mario Quintana (1906-1994). Mestre do humor e da ironia, ele nos faz pensar sobre nossas ambiguidades. Escolhemos dele alguns poemas aforismáticos:
COMPENSAÇÕES
Já repararam? A má reputação sempre fez parte da fama…
O ÓPIO
Dizem os comunistas que a religião é o ópio do povo; outros dizem que o ópio do povo é precisamente o comunismo; se pedissem a minha opinião, eu diria que o ópio do povo é o trabalho.
PERGUNTA INOCENTE
Por que será que as pessoas virtuosas parece que estão sempre representando?
AS MÃES E AS GUERRAS
Se dependesse das mães, não haveria guerras! Mas as filhas preferem os soldados.
O PROBLEMA ETERNO
Livrar o povo dos demagogos, sim… Mas como livrar Deus dos teogogos?
OTIMISMO
Filosofia forçada.
MECÂNICA DAS DESCOBERTAS
Não era a maçã que estava a cair de madura, mas a lei da gravitação.
LAVOISIER
Nada se perde; tudo muda de dono.
O CRIME NÃO COMPENSA
Herodes ordenou a matança dos inocentes e no entanto o único culpado escapou.
PROLETÁRIO
Sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados.
VERBETE
Nós – o pronome do rebanho.
A OPINIÃO
Quando dês opinião, nunca deixes de escrever a data…
DESIGUALDADE
A morte não iguala ninguém: há caveiras que possuem todos os dentes.
DEMOCRACIA
O que há de mais admirável nas democracias é a facilidade com que qualquer pessoa pode passar da crônica policial para a crônica social.
Fonte: QUINTANA, Mario. Caderno H. São Paulo: Globo, 2009.