O plenário do Senado Federal aprovou na última quarta-feira (13) o Projeto de Lei do Senado (PLS) 204/2016 — Complementar, que autoriza União, estados e municípios a cederem direitos creditórios ao setor privado. A prática é conhecida como securitização, que é uma operação que regulariza, por exemplo, faturas emitidas e ainda não pagas e dívidas referentes a empréstimos em títulos de crédito negociáveis.

 A prática fraudulenta já causou sérios danos às finanças de países como a Grécia. O projeto tramita agora na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/2017. Os deputados federais Reginaldo Lopes (PT-MG) e Carlos Zarattini (PT-SP) apresentaram na segunda-feira (18) um requerimento de urgência para a tramitação do PLP 459.

 De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), a proposta permite à administração pública, nas três esferas de governo, vender para o setor privado os direitos sobre créditos de qualquer natureza, desde que esses sejam objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais. Para isso, poderiam ser criadas empresas públicas não dependentes, composta por sócios públicos, mas regidas pelo direito privado, que negociariam os ativos dos entes federados por meio de títulos vendidos no mercado financeiro com o compromisso de pagamento de juros, as chamadas debêntures.

 A coordenação nacional da Auditoria Cidadã da Dívida – organização que atua reivindicando a realização de uma auditoria da dívida pública no Brasil e é contra a securitização da dívida -, publicou na terça-feira (19) um documento alerta para os parlamentares desmentindo os argumentos utilizados pelo autor do projeto para defender o PLP 459/2017 (antigo PLS 204) e mostrando as reais consequências por trás do projeto de “securitização da dívida ativa”.

 “Tal projeto descumpre a Constituição Brasileira e todo o sistema normativo que compõe o arcabouço de proteção para as finanças públicas, uma vez que pretende-se conferir ares de legalidade à prática de ato lesivo ao erário público resultante de contratação de operação de crédito ilegal e não autorizada; comprometimento com vultosas garantias e indenizações, e, especialmente, desvio do fluxo de arrecadação tributária e respectivo sequestro de grande parte desses recursos durante o seu percurso pela rede bancária”, aponta. Veja aqui o documento na íntegra.

 Além disso, a Auditoria Cidadã da Dívida afirma que o texto do projeto não detalha como será feita essa cessão dos direitos sobre os créditos, apenas que pretende dar segurança jurídica ao que já é praticado em estados e municípios brasileiros, que vêm desviando recursos do contribuinte para o sistema financeiro. Em Belo Horizonte (MG), segundo informações divulgadas pela Auditoria Cidadã da Dívida, e onde o sistema foi implantado, o prejuízo real foi de cerca de R$ 70 milhões em pouco mais três anos. Portanto, para a entidade, o projeto ampara a perda de recursos públicos.

 Entenda o projeto

 O texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/2017 (antigo PLS 204/2016) autoriza a criação de empresas denominadas Sociedades de Propósito Específico (SPE), que são empresas estatais não dependentes (não estão sujeitas aos órgãos de controle do estado, como TCU, CGU) cujos sócios majoritários são os estados e municípios. O principal negócio dessas empresas não dependentes é a emissão de debêntures (papéis financeiros), sobre os quais incidem juros estratosféricos.

 Devido à confusão de que o que essas empresas estariam vendendo seriam créditos de difícil cobrança, ou seja, dívida ativa ainda, essas debêntures estão sendo vendidas com altos descontos, o que faz com que os juros fiquem ainda mais elevados, pois incidem sobre o valor original desses papéis.

 Essas debêntures possuem a garantia dos entes federados, ou seja, estados e municípios passam a ser os responsáveis pelo pagamento dos juros e todos os custos desses papéis até resgate, sem que tenham recebido benefício algum, pois quem vende as debêntures e recebe o valor são as empresas não dependentes.

 Essa engenharia financeira, encoberta sob a propaganda de que estados e municípios poderiam estar fazendo um bom negócio ao buscarem, na emissão de debêntures por essas SPE, uma solução para a crise, leva a um dano financeiro incalculável, como ocorrido na Europa. Na verdade, esse esquema, além das ilegalidades, impõe custos tão elevados que inevitavelmente irão aprofundar os problemas fiscais dos entes federados.

 O Ministério Público de Contas e o Tribunal de Contas já emitiram pareceres condenando essa prática por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, na medida em que se trata de operação de crédito, antecipação de receita com claro comprometimento do equilíbrio das contas públicas dos estados e municípios. “Esse mecanismo compromete as gestões futuras e prejudica a sustentabilidade fiscal do Município – as receitas de parceladas em Dívida Ativa ou espontaneamente entrariam também no futuro (em outras gestões).” (Relatório  TC 016.585/2009-0).

 Os recursos auferidos por essas empresas estatais não dependentes, com a venda de debêntures, serão rapidamente consumidos, pois os papéis são vendidos com enorme desconto (deságio), os juros são abusivos, além dos elevados custos de consultorias, gastos financeiros e remuneração de administradores. Dessa forma, estados e municípios não terão qualquer benefício, mas atuam como garantidores dos papéis, o que, na prática, faz com que essa operação gere dívida pública sem contrapartida alguma.

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Fonte: ANDES-SN