A definição de rompimento ou colapso de barragens como desastre natural altera as permissões para saque do FGTS e faz com que trabalhadores arquem com os prejuízos da própria tragédia
Os impactos gerados ao meio ambiente, à população do subdistrito de Bento Rodrigues do município Mariana e de outras localidades dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, decorrentes da avalanche de rejeitos gerada pelo rompimento da barragem do Fundão, no dia 5 de novembro desse ano, são, a cada dia, imensuráveis. Após três semanas do rompimento da barragem, da mineradora Samarco (controlada pela empresa Vale e a anglo-australiana BHP Billiton), a extensão da lama chegou à foz do Rio Doce, no Estado do Espírito Santo, a mais de 500 km do local de origem do desastre ambiental. Diante das consequências da tragédia, no dia 13 de novembro, o governo federal, depois do reconhecimento do estado de emergência do ocorrido, lançou um novo decreto, o 8.572/15, modificando as regras que dispõem sobre a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ao incluir na definição de desastre natural o rompimento ou colapso de barragens.
A Lei do FGTS (Lei nº 8.036/90), regulamentada pelo Decreto nº 5.113, de 2004, já permitia a movimentação dos recursos do fundo em caso “de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”, como vendavais, enchentes e deslizamentos de terra. Mas somente com esse novo decreto presidencial – que passou a considerar desastre natural o rompimento ou colapso de barragens, como a tragédia ocorrida no município de Mariana -, a população diretamente atingida pelo desastre anunciado pode, então, ter a permissão de sacar o FGTS como uma das formas de recuperação de suas perdas. O decreto foi amplamente criticado.
“Esse decreto, à primeira vista, aparece para facilitar, burocraticamente, o acesso das famílias atingidas a algum tipo de ajuda. Aqui, no caso, ao FGTS. Só que a partir do momento em que um decreto presidencial classifica uma tragédia desse porte como desastre natural, abre-se o precedente para a Samarco recorrer judicialmente para evitar alguma punição, adiar ou atenuar o pagamento de multas, por exemplo. O que estamos vendo é o Estado, que é totalmente permeado de interesses privados, criando um registro legal que favorece uma empresa privada”, aponta Marco Antonio Perruso, membro do Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPaua) do ANDES-SN. Além disso, o docente ressalta que o governo federal, ao facilitar o acesso ao FGTS por parte dos trabalhadores da tragédia, objetiva socializar o prejuízo diante de um problema de origem privada. “É dinheiro público, do FGTS dos trabalhadores, que será utilizado para arcar com as despesas da tragédia provocada por uma mineradora, que atende aos interesses do grande capital”, aponta Perruso.
De acordo com advogada do Sindicato Metabase de Congonhas, Ouro Preto e região dos Inconfidentes, Juliana Benício, “o FGTS é uma poupança feita pelo trabalhador para ter uma segurança em momento de desemprego ou na velhice e não para arcar com prejuízos que lhe foram impostos pelas mineradoras mais ricas do mundo”, aponta em matéria da CSP-Conlutas.
Movimentos sociais e Ministério Público Federal e Estadual exigem garantia de direitos
Diante das mortes já anunciadas, das centenas de famílias desabrigadas, da falta de água potável para toda população das cidades e municípios às margens do Rio Doce e arredores, da destruição das fazendas de pequenos agricultores e da mortandade de peixes pela falta de oxigênio na água, movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA), e o Ministério Público Estadual e Federal lutam para que a população tenha os seus direitos garantidos diante de tantas perdas.
A população de Bento Rodrigues passou a exigir a responsabilidade da mineradora Samarco diante das consequências trágicas de um dos maiores desastres ambientais da história do país. Após algumas investigações, constatou-se que a mineradora Samarco não previu em seu plano de ação de emergência entregue aos órgãos de fiscalização uma estratégia para alertar diretamente os moradores de Bento Rodrigues sobre um eventual rompimento de suas barragens. A ausência de um plano detalhado de alerta à comunidade contraria a legislação federal e destoa do que diretores da Samarco vêm dizendo desde que a barragem do Fundão se rompeu.
“Em um primeiro momento, ficou claro que a mineradora não tinha nenhum plano emergencial para avisar a população sobre o rompimento da barragem. Quando tudo aconteceu, os próprios trabalhadores locais, que tinham rádio, foram avisando as pessoas para sair dali”, contou Sara Martins, da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto – Seção Sindical (Adufop-SSind.), que esteve no dia 5 de outubro no local do rompimento das barragens e ajudou as vítimas do desastre. De acordo com Sara, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria de Direitos Humanos, tem atuado, ao lado de movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA) e a Arquidiocese de Mariana, para garantir que a mineradora Samarco se responsabilize pela tragédia.
No último dia 18, o MAB, a Arquidiocese de Mariana, órgãos do poder público, outras organizações da sociedade civil e a mineradora Samarco (Vale/BHP Billiton) se reuniram, na cidade de Mariana, em uma mesa de negociações mediada pelo governo do estado para discutir os impactos provocados pela empresa com o rompimento da barragem. O MAB apresentou a pauta construída coletivamente pelos atingidos, que inclui um plano emergencial com moradia digna e verba de manutenção de um salário mínimo para cada atingido, reassentamento de qualidade e reestruturação das atividades produtivas, levantamento dos danos e plano de recuperação para toda a bacia e a participação ampla dos atingidos em todas as etapas do processo.
Diferente da proposta apresentada pelo Movimento, o representante da Samarco afirmou que a empresa irá pagar apenas um salário mínimo por família com acréscimo de 20% por dependente. “A Promotoria de Direitos Humanos está tentando, junto dos movimentos sociais, fazer com que todo esse processo tenha protagonismo dos moradores atingidos: fazer o que e como que eles querem, e assegurar que a Samarco arque com as consequências”, conta Sara.
Minas Gerais é um estado em que 80% da economia gira em torno da mineração. Após a tragédia, a empresa suspendeu as atividades de mineração na região e o governo embargou o licenciamento de funcionamento da empresa, que não pode extrair minério até o cumprimento de exigências de segurança. “A cidade depende muito da exploração do minério na cidade. Muitos comerciantes e empresários do setor imobiliário estão com medo do futuro de seus negócios. Essas pessoas vivem muito bem aqui por conta dessa exploração realizada pela Samarco”, relata a docente da Adufop-SSind.
Ministério Publico Federal recomenda que Samarco dê assistência a atingidos
No domingo (22), o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao diretor-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, que a empresa envie, no prazo de cinco dias, equipes interdisciplinares a municípios atingidos pela onda de rejeitos provocada pelo rompimento da barragem de Fundão. O objetivo é identificar todos os afetados nos municípios de Governador Valadares, Alpercata, Tumiritinga, Galiléia, Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta e Aimorés. Além disso, dentro do mesmo prazo, contados a partir do recebimento da recomendação, a Samarco deve apresentar ao MPF documentos que comprovem a criação de um fundo destinado exclusivamente para custear as medidas de recuperação dos prejuízos materiais e morais suportados pelos moradores desses municípios atingidos.
A empresa também deverá iniciar o pagamento mensal de um salário mínimo, a título de renda de subsistência, para cada família de pequeno produtor rural, pescador, índio, pomerano e microempresário com exploração regular da atividade de extração de areia e cascalho que tenha sido atingido pelos rejeitos provenientes da barragem de Fundão e que se encontre, atualmente, impedido de exercer sua atividade econômica. Também em dez dias a Samarco deve realizar o pagamento indenizatório mínimo aos comerciantes dos oito municípios que eventualmente tenham tido sua atividade profissional prejudicada, total ou parcialmente, pelo rompimento das barragens, a fim de propiciar-lhes o retorno às atividades de comércio.
Com informações: CSP-Conlutas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA)
Fotos: TV Senado, MBA e Agência Brasil
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Fonte: ANDES-SN