Nessa segunda-feira (5), a Auditoria Cidadã da Dívida realizou uma coletiva de imprensa para denunciar os ataques contidos no Projeto de Lei do Senado (PLS) 204/16, que já se encontra na pauta do Senado, com votação prevista esta quinta-feira (8).
O projeto, de autoria do então senador José Serra (PSDB/SP), permite aos entes da federação, mediante autorização legislativa, ceder direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais, inscritos ou não em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado.
Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã, alerta, no entanto, que a finalidade deste projeto é legalizar um esquema de geração de grandes somas de dívida pública, ocultado sob a propaganda de antecipação de receitas por meio da securitização de créditos de dívida ativa e outros. O esquema utiliza a venda de debêntures de empresas estatais não dependentes criadas para esse fim.
“É falso o discurso que vem sendo propagado de que isso se trata de venda de dívida ativa dos entes federados, pois a dívida continua sob responsabilidade dos órgãos competentes para cobrança e execução, como os tribunais de contas, as secretarias de fazenda e de finanças”, ressalta. Ela chama atenção também para o fato de o texto do projeto não deixar explícito que as “pessoas jurídicas de direito privado” que menciona a ementa do PLS 204/2016, são na realidade empresas estatais não dependentes, o que é inconstitucional, segundo a Auditoria Cidadã.
Fattorelli denuncia ainda que o PLS 204, cuja proposta tem implicações legais e econômicas, não passou nem pelas comissões de Constituição e Cidadania e de Justiça (CCJ), nem a de Assuntos Econômicos (CAE), antes de ser levado ao plenário para votação no Senado. “Muitos parlamentares, assim como grande parte da população, não fazem ideia das implicações desse projeto. É necessário fazermos uma campanha de esclarecimento e cobrança junto aos Senadores pela rejeição ao PLS 204”, ressalta.
A auditora afirma ainda que esse mecanismo contribui para aprofundar a financeirização da economia do país, e já se provou extremamente arriscado. Segundo Maria Lúcia, esse método é idêntico ao aplicado na Europa, a partir de 2010, em especial na Grécia e foi o que literalmente quebrou o país e respondeu em grande parte pela crise econômica no continente. Em 2015, Fattorelli esteve na Grécia participando da Comissão Internacional que auditou a dívida grega.
PEC 241/2016
Outro ponto abordado por Maria Lúcia foi o fato da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, que congela os gastos da União com diversas áreas como Saúde e Educação por 20 anos, isentar as empresas estatais não dependentes de tal congelamento. Em seu parágrafo sexto, inciso V a PEC especifica que não se incluem nos limites previstos as “despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes”.
“No fundo, o PLS 204 está no bojo do ajuste fiscal e a luta contra esse projeto faz parte da disputa por recursos públicos, uma vez que esse PL interfere na repartição do orçamento. Os recursos públicos que deixarão de ir para saúde e educação irão alimentar esse esquema”, afirma, conclamando todas as entidades sindicais e movimentos sociais a se unirem na luta contra o PLS 204/2016.
Entenda o PLS 204/2016
O texto do Projeto de Lei do Senado 204/2016 autoriza a criação de empresas denominadas Sociedades de Propósito Específico (SPE), que são empresas estatais não dependentes (não estão sujeitas aos órgãos de controle do estado, como TCU, CGU) cujos sócios majoritários são os estados e municípios. O principal negócio dessas empresas não dependentes é a emissão de debêntures (papéis financeiros), sobre os quais incidem juros estratosféricos.
Devido à confusão de que o que essas empresas estariam vendendo seriam créditos de difícil cobrança, ou seja, dívida ativa ainda, essas debêntures estão sendo vendidas com altos descontos, o que faz com que os juros fiquem ainda mais elevados, pois incidem sobre o valor original desses papéis.
Essas debêntures possuem a garantia dos entes federados, ou seja, estados e municípios passam a ser os responsáveis pelo pagamento dos juros e todos os custos desses papéis até resgate, sem que tenham recebido benefício algum, pois quem vende as debêntures e recebe o valor são as empresas não dependentes.
Essa engenharia financeira, encoberta sob a propaganda de que estados e municípios poderiam estar fazendo um bom negócio ao buscarem, na emissão de debêntures por essas SPE, uma solução para a crise, leva a um dano financeiro incalculável, como ocorrido na Europa. Na verdade, esse esquema, além das ilegalidades, impõe custos tão elevados que inevitavelmente irão aprofundar os problemas fiscais dos entes federados.
O Ministério Público de Contas e o Tribunal de Contas já emitiram pareceres condenando essa prática por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, na medida em que se trata de operação de crédito, antecipação de receita com claro comprometimento do equilíbrio das contas públicas dos estados e municípios. “Esse mecanismo compromete as gestões futuras e prejudica a sustentabilidade fiscal do Município – as receitas de parceladas em Dívida Ativa ou espontaneamente entrariam também no futuro ( em outras gestões).” (Relatório TC 016.585/2009-0).
Os recursos auferidos por essas empresas estatais não dependentes, com a venda de debêntures, serão rapidamente consumidos, pois os papéis são vendidos com enorme desconto (deságio), os juros são abusivos, além dos elevados custos de consultorias, gastos financeiros e remuneração de administradores. Dessa forma, estados e municípios não terão qualquer benefício, mas atuam como garantidores dos papéis, o que, na prática, faz com que essa operação gere dívida pública sem contrapartida alguma.
Fonte: ANDES-SN