As instituições federais de ensino superior públicas no país têm se pronunciado sobre o corte de R$ 1 bilhão, promovido pelo governo federal, no orçamento discricionário para este ano, o que inclui gastos com custeio e investimento nas universidades.
O corte na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 impacta o já reduzido orçamento destinado para o ensino superior no país que é de R$ 4,5 bilhões, valor 18,2% menor que o de 2020, sem a correção da inflação. A medida afetará as 69 instituições de ensino vinculadas a União e trará prejuízos ao ensino, pesquisa, extensão e à assistência estudantil, com graus diferentes e sem critério conhecido. Do corte de R$ 1 bilhão, por exemplo, R$ 177,6 milhões atingem diretamente a assistência estudantil, destinada aos estudantes carentes, que representam mais de 50% dos matriculados, segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Somando-se ao corte, o Decreto 10.686/21 – que dispõe sobre as dotações orçamentárias primárias discricionárias-, bloqueou R$ 2,7 bilhões do orçamento do Ministério da Educação (MEC), atingindo as universidades federais em mais 13,89%. Lembrando que a pasta foi a que teve o maior bloqueio de verbas dentre os ministérios no Orçamento 2021. Outra prática adotada pelo governo é o “orçamento sob supervisão”, que tem autorizado os gastos das instituições somente com a aprovação legislativa especial, o que dificulta ainda mais a execução e o comprometimento de novas despesas nas instituições.
Essa política de sucateamento e desmonte das instituições de ensino superior públicas, do governo de Jair Bolsonaro, poderá comprometer as atividades de grandes universidades como a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que teve R$ 41,1 milhões de seu orçamento discricionário bloqueado e corre o risco de fechar as portas no segundo semestre por conta de dificuldades financeiras para bancar seu custeio, como água, luz, limpeza, segurança, e investimento. O orçamento será de R$ 299 milhões para o ano de 2021, R$87 milhões a menos do que o ano passado. A reitoria da UFRJ publicou uma nota afirmando que o orçamento discricionário aprovado pela Lei Orçamentária em 2021 é 38% do empenhado em 2012. “A UFRJ fechará suas portas por incapacidade de pagamento de contas de segurança, limpeza, eletricidade e água. O governo optou pelos cortes e não pela preservação dessas instituições. A universidade nem sequer pode expandir a arrecadação de recursos próprios, pois não estará garantida a autorização para o gasto. A universidade está sendo inviabilizada”.
No Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) divulgou uma nota afirmando que não conseguirá honrar suas despesas de custeio. A instituição sofreu um corte de 24,41% nos recursos financeiros utilizados para as despesas fixas com energia elétrica, os contratos de limpeza, portaria e manutenção, a aquisição de insumos para aulas, o pagamento das assinaturas das bibliotecas eletrônicas, entre outras. Dos recursos prometidos, já com o corte, foram repassados apenas 40,1% de sua totalidade, o que significa que universidade só terá recursos para honrar com as despesas no final de maio, conforme a instituição. Mesmo com o repasse total, a previsão era que o teto de funcionamento chegasse até outubro. “Considerando os diferentes cenários, em que se receba os 59,9% condicionados em junho, estimamos um déficit no final deste ano entre R$ 10,5 milhões e R$ 21 milhões. Em outras palavras, a Universidade não poderá cobrir todas as suas despesas de custeio a partir do mês de outubro, provavelmente”, diz a nota.
Na Bahia, as instituições federais de ensino superior públicas se posicionaram contra os cortes orçamentários. Em nota, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) afirmou que “foi atingida com a supressão de um montante no valor de R$ 11,1 milhões em seu orçamento discricionário, o que representa uma diminuição da ordem de 22,8% quando comparado ao ano de 2020”. O corte no orçamento compromete diretamente o pagamento de despesas essenciais, como energia elétrica, água, serviços terceirizados, materiais, manutenção predial e de equipamentos, bolsas e auxílios estudantis. Investimentos em equipamentos e obras também ficarão comprometidos. Este ano, segundo a instituição, serão destinados apenas R$ 423 mil para investimentos em obras e compra de equipamentos, enquanto no exercício anterior foram destinados, inicialmente, cerca de R$ 7,3 milhões. Segundo a UFRB, 58% do orçamento encontra-se “sob supervisão”, o que totaliza R$ 21,6 milhões; e R$ 5,1 milhões bloqueados. O corte representará a supressão de aproximadamente R$ 2 milhões em relação ao volume de recursos destinado durante o último período, que fora da ordem de R$ 9,8 milhões, na assistência estudantil.
Já na Universidade Federal da Bahia (Ufba) a previsão de corte no orçamento discricionário da instituição para o ano de 2021 poderá ultrapassar os R$ 26,8 milhões. A medida trará sérios impactos no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) no valor de R$ 6,5 milhões, o que corresponde a cerca de 18% do que a universidade investiu em assistência estudantil em 2020. De acordo com a Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil, a universidade teve que reduzir os valores das bolsas e suspender o auxílio financeiro para saúde e aquisição de material didático, entre outras medidas. A universidade convocou, por nota, a comunidade universitária para um ato virtual em defesa da educação, marcado para o próximo dia 18 de maio. A instituição categorizou a situação como sintoma de um “desmonte de políticas públicas e a destruição em curso do sistema educacional brasileiro”.
Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o corte orçamentário foi de 20,6%, em comparação com a LOA do ano passado. O impacto no orçamento permite o funcionamento da instituição até julho, já que esses recursos são empregados para manter as atividades básicas da universidade, como energia elétrica, água, limpeza, manutenção, vigilância, insumos para laboratórios de graduação, entre outros. Além deste corte, 60% do total previsto está condicionado à aprovação da regra de ouro pelo Congresso Nacional, e, deste montante, 13,8% estão bloqueados, sem a perspectiva real de liberação integral. Uma das maiores preocupações da universidade é com o recurso destinado à assistência estudantil, já insuficiente para o atendimento das demandas atuais, e que sofreu um corte de 19,4% e tem 60% condicionado.
A reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, informou que desde 2016 acumula reduções no orçamento em mais de 47%. Eram R$ 157,9 milhões disponíveis naquele ano ante R$ 82,3 milhões nos dias atuais. A universidade prevê terminar o ano com dívida de mais de R$ 6 milhões e afirmou que “ajustes” na gestão da instituição terão que ser realizados devido a cortes feitos pelo governo federal. Entre as medidas estão redução de materiais de consumo, serviços e projetos voltados à comunidade, corte no número e no valor da maioria das bolsas de graduação e de assistência estudantil, com exceção das bolsas de pós-graduação que conseguirá mantê-las, além de perda de 307 postos de trabalho terceirizados ao longo do ano.
No caso da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a redução orçamentária pode chegar a 18,9%. De acordo com instituição, a diminuição sistemática de recursos das universidades federais, ocorrida ao longo dos últimos anos, tem representado um regresso financeiro que fez a instituição voltar aos patamares de 2009. Além de afetarem despesas com manutenção da instituição e investimento em ações de ensino, pesquisa e extensão, os cortes prejudicam as políticas e ações afirmativas de inclusão e assistência de estudantes em condições de vulnerabilidade. Hoje, cerca de 8,5 mil dos mais de 32 mil estudantes de graduação da UFMG são apoiados por essas ações. “O ano de 2021 projeta um cenário extremamente preocupante, que põe em risco o funcionamento das universidades federais que desempenharam papel imprescindível no enfrentamento da covid-19 e no atendimento às demandas da sociedade”, finaliza a reitora.
Já os reitores das universidades federais de Pernambuco (UFPE) e Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) realizaram um ato público virtual “Cortes na Educação – Instituições Federais de Ensino de Pernambuco discutem o impacto da Lei Orçamentária Anual”, no dia 5 de maio para mobilizar a sociedade contra o desmonte das instituições federais de ensino superior. “Nossas instituições acolhem 50% de alunos oriundos do sistema de cotas, entre filhos de porteiros e porteiras, enfim, jovens de classes populares que dependem desse ensino para fazer sua formação superior, além de sermos responsáveis, nos últimos dez anos, pelo egresso de 30 a 40 mil graduados e pós-graduados”. Atualmente a UFPE, a Rural e o IFPE contam, em todos os seus campi, com 100 mil estudantes frequentando seus cerca de 150 cursos de diferentes áreas do conhecimento.
Institutos
Os cortes e bloqueios colocam em risco também o funcionamento das instituições federais de Educação Profissional. Com R$ 770 milhões a menos, a Rede Federal corre risco de interromper suas atividades no início do segundo semestre, segundo o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). O valor é o menor dos últimos 10 anos, quando a Rede contava ainda com 418 mil estudantes matriculados. Hoje, são mais de um milhão de estudantes nos cursos técnicos, de graduação e de pós-graduação nas instituições que compõem a Rede Federal de Educação profissional, Científica e Tecnológica.
Em Alagoas, o Instituto Federal de Alagoas (Ifal) está com seu funcionamento sob risco por falta de orçamento. Dos cerca de R$50,6 milhões previstos para 2021, apenas R$21 milhões estão liberados após sanção da LOA. Os R$29,5 milhões restantes estão condicionados a uma futura aprovação legislativa que só deve acontecer no segundo semestre. Desse montante, R$7,1 milhões já estão bloqueados, podendo ser liberados ou não. Como consequência dos cortes, o orçamento geral do Ifal deste ano é o menor desde 2011. “Ocorre que atualmente o Ifal oferta 110 cursos à comunidade alagoana e conta com quase 19 mil alunos regularmente matriculados, o que corresponde a mais do que o dobro de alunos daquela época, quando havia pouco mais de 8 mil alunos matriculados”, esclarece o instituto em nota.
ANDES-SN
Em nota sobre o orçamento das instituições, o ANDES-SN afirmou que não existe mais de onde cortar no custeio das instituições e o valor que já era previsto, por si mesmo, provocaria “paralisia de serviços essenciais, corte de ajuda à(o)s estudantes, dentre outras necessidades para o bom funcionamento das instituições. E, no meio de uma pandemia, o que se esperava era o aumento da alocação de recursos para fazer frente aos novos gastos para garantir retorno seguro após a vacinação. Não é este o cenário que se avizinha”.
O Sindicato Nacional se soma à luta de todas as entidades educacionais, sindicais, estudantis e cientificas, para que ocorra uma urgente recomposição dos recursos alocados para a Educação, especialmente para as instituições de ensino e pesquisa. “Sem isso, nossas instituições não terão condições de cumprir suas obrigações com o país e colocarão em risco a própria segurança física de seu corpo docente, técnico e estudantil quando tivermos o retorno presencial”, diz a nota.
Veja aqui a nota do ANDES-SN na íntegra